O trabalho da Polícia Federal vem há muitos anos conquistando respeito e credibilidade da sociedade e ganhou ainda mais evidência após o início da Operação Lava Jato, em 2014, cujo grande diferencial foi a formação de uma Força Tarefa constituída por diversos integrantes de variados cargos.
Porém, nem todos os profissionais desse órgão têm o correspondente reconhecimento na lei, tampouco do grande público, uma vez que o trabalho dos agentes, papiloscopistas e escrivães vai muito além do pouco que foi mostrado em filmes e séries. No desempenho de suas atividades, por vezes de alta complexidade, são exigidos conhecimentos específicos para se alcançar os resultados exitosos das investigações.
O trabalho dos citados profissionais, tão imprescindível para o sucesso dessas grandes operações policiais que a todo momento surgem no país, ainda não está devidamente definido e consolidado em uma lei específica. Apesar de ser exigido via concurso público o nível superior para ingressar em todos os cargos da Polícia Federal desde 1996, até hoje as atribuições são regidas pela Portaria nº 523 de 1989, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que traz em seu texto funções defasadas e aquém das realmente desenvolvidas pelos agentes, papiloscopistas e escrivães.
O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luiz Antônio de Araújo Boudens, afirma que, como não há atribuição em lei, existe um vazio que provoca insegurança jurídica, e a portaria do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, é, inclusive, objeto de ação judicial, criticando a sua validade. “Isso ocorre porque não há atribuições dos cargos da Polícia Federal. Já levamos ao Governo e judicializamos a ilegalidade da portaria”, afirma.
O vice-presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Espírito Santo (Sinpef-ES), Hélio de Carvalho Freitas Filho, explica que o curso superior para ingressar na Polícia Federal passou a ser exigido a partir de 1996. “Contudo, passados todos esses anos, jamais as atribuições dos cargos de agentes, escrivães e papiloscopistas foram definidas em lei de acordo com a complexidade envolvida e conforme o nível superior exigido. A portaria que define as atribuições, de 1989, é de extrema simplicidade, como se os agentes, escrivães e papislocopistas federais não desenvolvessem e coordenassem atividades mais complexas em suas áreas de atuação”, pontua.
Existe um grande questionamento da categoria por conta dessa patente desvalorização profissional, em que os três cargos da Polícia Federal agregam grande valor às investigações e ainda assim não existe qualquer projeto de reestruturação interna de fato sendo desenvolvida. “Nossos agentes, escrivães e papislocopistas são especializados, mestres e doutores, que desenvolvem pesquisas com reconhecimento internacional, mas o rol de suas atribuições está completamente obsoleto. Se não fosse pelo desempenho pessoal dessas pessoas, nós não teríamos trabalhos tão bem elaborados. Então, a gente prima pela definição em lei das atribuições correspondentes à complexidade dos cargos”, enfatiza o vice-presidente do Sinpef-ES.
Um exemplo recente da capacitação desses profissionais e que reflete na melhoria do trabalho da Polícia Federal como um todo é a utilização de uma técnica desenvolvida durante a pesquisa de doutorado do papiloscopista capixaba Carlos Magno Alves Girelli para identificação de digitais nos cartuchos de munição usados no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, no Rio de Janeiro.
Por uma série de motivos, a identificação de suspeitos com base nas impressões digitais reveladas a partir de cartuchos deflagrados é muito difícil. Não há consenso na literatura científica quanto ao melhor método de revelação a ser aplicado e são raros os casos criminais solucionados nesse sentido. Até o desenvolvimento da tese do papiloscopista capixaba, não havia procedimento padrão no Brasil que orientasse quanto a isso. “No caso Marielle processamos, no total, nove estojos de munição e um apresentou impressões digitais com qualidade suficiente para identificação”, conta Girelli.
Assim como no exemplo do papilloscopista Girelli, há inúmeros outros casos dentro da Polícia Federal, em que tais profissionais são responsáveis por desenvolverem trabalhos de destacada complexidade em contraste ao simples enunciado de suas atribuições tão mal redigidas.
Para o presidente da Fenapef, a exigência por uma lei é urgente. “É preciso que a legislação traga um rol de atribuições para cada cargo da Polícia Federal. Nós trouxemos o problema e a solução e o governo já tem todas as condições de apresentar um caminho. Agora, falta a vontade de colocar isso como projeto”, finaliza Boudens.